Como explicar a saudação da cloroquina à la 'Rei Leão' e a inconsequência de Bolsonaro?
Com as mãos para o alto, segurando uma caixa de cloroquina, o presidente Jair Bolsonaro foi ovacionado por centenas de apoiadores em frente ao Palácio do Planalto no último domingo (19), em mais um episódio inexplicável de inconsequência atrelada à atuação do líder nacional durante a pandemia em que o brasil é considerado epicentro, além de estar em segundo lugar no ranking de casos confirmados, atrás apenas dos Estados Unidos e à frente da Índia. Veja:
Das cenas mais patéticas da história política do mundo democrático. Dezenas de idiotas úteis, expondo sua vida e a de seus familiares, enquanto o mais incompetente e bravateiro dos presidentes ergue uma caixa de cloroquina como troféu. Bolsonaro lidera uma seita de fanáticos. pic.twitter.com/avpjZVkMsZ
— Roberto Freire (@freire_roberto) July 19, 2020
Bolsonaro pode fazer absolutamente qualquer coisa, e isso já está mais que comprovado com a facilidade do presidente em difundir opiniões consideradas criminosas e, ainda por cima, mantém os seus apoiadores com a língua afiada através de desinformações e outras distorções de realidade que, pelo visto, são utilizadas pelo público conservador como um mecanismo de defesa que, no final dos contas, só funciona como desequilibrador de raciocínio, pois a partir do momento em que uma pessoa se nega a compreender a história da sociedade, as bases do racismo, do machismo e da intolerância no geral, cria-se uma dinâmica de auto-sabotagem que se repete há milênios, exatamente da mesma forma, prejudicando a evolução da sociedade como um todo.
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Ora, se alguém se diz conservador, já está entregando o jogo: revoluções cujo intuito central seja a igualdade não serão aceitas, não farão parte de suas crenças, que se resumem basicamente à constituição de uma família chamada de “tradicional” e o acúmulo de capital, na velha política de “cada um cuide do seu”, ou, como diria um personagem de Tropa Elite, filme que mais gerou interpretações ambíguas na história do cinema brasileiro, “cada cachorro que lamba a sua caceta”.
Como pode, após dezenas de pesquisas certificadas em vários países apontarem a falta de comprovação da eficácia da cloroquina para tratar Covid-19, manifestantes aplaudirem e gritarem “mito” quando Bolsonaro, infectado com o vírus que já dizimou mais de 600 mil pessoas no mundo, levanta uma caixa do medicamento da mesma forma que o babuíno Rafiki carrega Simba no filme “O Rei Leão”, da Disney?
Por algum motivo, o presidente parece muito mais tranquilo do que o normal durante a pandemia, passeando pelos arredores do Planalto e protagonizando shows para os fãs, que se arriscam em aglomerações para gritar o nome do ídolo, comparado a Jim Jones por Marina Silva nesta segunda-feira (20).
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Conhecida por sua atuação em causas ambientais, a candidata à presidência da república nas eleições de 2018 concedeu uma entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” e comparou o presidente brasileiro com o fundador da seita “Templo dos Povos”, responsável por uma onda de assassinatos e suicídios em massa em 1978. Para ela, Bolsonaro seria o “Jim Jones da destruição ambiental”.
As afirmações de Marina não vieram em vão, já que recentemente o presidente fez uma declaração para discutir sobre a situação da Amazônia, dizendo que indígenas e caboclos são responsáveis por uma “parte considerável” do desmatamento, além de fazer uma constatação infundada sobre a fertilidade do solo nas florestas amazônicas, que segundo ele poderiam se reconstituir sozinhas após a exploração.
“A Amazônia não tem um solo fértil a princípio. Por ser uma floresta densa, a fauna e a vegetação, graças à umidade, criam uma camada de nutrientes para esse solo. Mas é uma camada fina. Aquilo tudo vai embora com as chuvas torrenciais da Amazônia e também com as queimadas", explicou Marina Silva, repudiando as afirmações errôneas de Bolsonaro. “O que vai nascer ali de novo, depois de anos, é uma floresta secundária, de riqueza muito inferior à floresta primária”, prosseguiu, quebrando a teoria de que floresta pode se regenerar magicamente somente com a fertilidade natural do solo.
“As capoeiras levam décadas para se regenerar. E vai ter uma conformação muito inferior em relação à própria madeira, às espécies. Um cumaru-ferro leva 800 anos para crescer. É um ato de covardia política e covardia verbal colocar na conta dos indígenas, dos ribeirinhos e das comunidades tradicionais a responsabilidade por esses incêndios", garantiu a ambientalista, que apesar de possuir grande experiência na área, não é, nem de longe, levada a sério pelos bolsonaristas, que utilizam as redes sociais para ataca-la gratuitamente e “defender a honra do presidente”.
Desde a declaração do estado de pandemia pela Organização Mundial da Saúde, Jair Bolsonaro virou uma espécie de celebridade inversa na mídia internacional, aparecendo em comparações com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e inserindo o Brasil na lista de países com pior administração da grave situação. Não há como deixar de mencionar os constantes estímulos à aglomeração e ao retorno das atividades comerciais, não há como deixar de notar que Bolsonaro forma alianças com donos de empresas bilionários, envolvidos em operações da Polícia Federal referentes aos inquéritos do Supremo Tribunal Federal (STF) que investigam Fake News e ataques ao Congresso.
É impossível, também, explicar o porquê de tudo isso, afinal estamos colhendo o fruto de uma eleição definida através do voto, que reflete a generalização do desconhecimento político e, talvez, o cansaço da população com a situação política sempre conturbada no país, o que motivou milhões de pessoas a apostarem na figura radical de um militar, cristão, favorável à tortura e fã assumido de figuras-chave da repressão política, como o torturador condenado, coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ovacionado diversas vezes por Bolsonaro, que escolhe o caminho do auto-enaltecimento apoiado no carinho apaixonado de apoiadores que sequer sabem o que está acontecendo ao redor. Cheguei até aqui apenas para concluir que não há explicação para o inexplicável.